quinta-feira, 21 de junho de 2012

Um grito de BASTA!

por Fernanda Godinho


Com concepção de Alexandre de Sena, Byron O’Neill, Gustavo Bones, Mariana Maioline, Jésus Lataliza e MC Matéria Prima, O que não vaza é pele trouxe para o segundo dia do Festival de Cenas Curtas grandes reflexões num período em que a cidade de Belo Horizonte é marcada por intensas discussões políticas e manifestações sociais.

A trama conta a história de uma cidade sem cor, Clarimanha, onde é expressamente proibido o relacionamento entre brancos de tons distintos e onde a presença de outras cores é passível de sentença de morte – uma sátira inteligente que faz referência aos vários tipos de preconceito e que nos mostram o quão absurda essa forma de violência e segregação pode retumbar.

Em O que não vaza é pele, realidade se mistura a ficção. Mas não apenas porque a trama diz respeito a um assunto universal, também porque a cena faz referência a um acontecimento real vivenciado por um dos atores que estão em cena – em 2011, na cidade de Blumenau, durante o Festival Internacional de Teatro Universitário, policiais militares com a intenção de dispersar um grupo de pessoas que na madrugada se encontravam em um posto de combustível, agrediram com pontapés, socos e coronhadas de escopeta o ator Alexandre de Sena. Alexandre era o único negro do grupo e o único que recebeu as agressões.

Na tentativa de se aproximar do público pra falar de coisa séria, os atores parecem representar eles mesmos. Ou seria, na verdade, não representar nenhum personagem? O fato é que no jogo cênico é possível observar o distanciamento Brechtiano em que os atores os representam em cena ao mesmo tempo em que representam os personagens fictícios que aparecem na história de Clarimanha. Mas, para, além disso, o tema de que se trata O que não vaza é pele, por si só, já é um forte elemento de aproximação... Impossível não trazer para o nosso cotidiano as questões que em cena são dissecadas.

Como cenário, apenas um praticável – uma televisão que, ao ser ligada, contextualiza através de uma reportagem real os minutos de violência racial vivenciados por Alexandre de Sena. Mas apesar do cerne da cena fazer referência a um acontecimento real ocorrido em outra cidade ao sul do país, O que não vaza é pele também dialoga com o momento histórico em que vive a cidade de Belo Horizonte.

Seguindo a linha do teatro político, a cena se torna um instrumento legítimo e capaz de analisar o conjunto de relações sociais que determinam uma sociedade opressiva e injusta. Torna-se, assim, o reflexo do que acontece em uma Belo Horizonte que passou a viver um cerceamento de seus espaços públicos; um sucateamento de suas políticas e práticas culturais; uma criminalização da juventude, principalmente da negra e pobre; uma vontade de tirar do mapa todas as minorias como a população de rua, as mulheres, os negros e os LGBTs.

E como em O que não vaza é pele nada acontece por acaso, ao final da cena, militantes da ocupação Dandara e Eliane Silva e de outros movimentos sociais de BH, ao som do rapper MC Matéria Prima - que representa um movimento de periferia que através da arte denuncia todas as formas de exclusão social - ocupam o palco para contestar uma cidade que está sendo construída para poucos e de forma opressiva e violenta.

Mais que uma cena de teatro, O que não vaza é pele é um grito de basta contra toda e qualquer forma de violência, seja ela declarada ou simbólica.

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