quinta-feira, 21 de junho de 2012

Pílulas do Cena-Espetáculo

por Viviane Velano


Dando início ao 13º Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto, o Cena-Espetáculo propõe aos artistas que apresentem uma cena com possibilidades de desdobramentos para um espetáculo maior. Suas escolhas, definições de conceitos, construção da cena, etc, serão ponto crucial na escolha dos jurados.

A NOITE DEVORA SEUS FILHOS
A primeira cena da noite nasceu de uma criação coletiva dos artistas Alexandre de Sena, Gustavo Bones, Mariana Maioline, Renata Cabral e Glaucia Vandeveld. A cena nos apresenta um esboço de casa, por vezes bar, em que as ações vão se desenrolando muitas vezes por provocação da contra-regragem, que está ali, à vista, por detrás das grades que compõem o cenário, e vão trazendo para as atrizes elementos que a desencadeiam. Em A noite devora seus filhos, a história é peça chave. O texto tem papel especialmente relevante e, mesmo significativo, a linguagem não se estabelece apenas através dele – como quando as personagens trabalham os objetos cênicos quase que os coreografando. E, mais enfático ainda, no momento em que a música se sobrepõe às palavras nos convidando a sentir. Situação que poderia, inclusive, ter sido mais explorada para enfatizar tal sensação. As duas personagens criam um elegante jogo de cena e estabelecem um clímax na atuação quando passam a viver as ações de suas narrativas, constantemente duplicadas. Não se fecha em si mesma, levantando algumas questões e deixando-as no ar. Pertinente, inclusive, à proposta do Cena Espetáculo.

O HOSPÍCIO SOMOS NÓS
A segunda cena apresentada, de direção de Byron O’Neill, teve sua dramaturgia criada coletivamente com as atrizes Camila Morais e Dayane Lacerda, as duas em cena. Numa evidente pesquisa sobre a loucura, O Hospício somos nós começa com um impactante quadro ao acender das luzes: uma boneca, Maura, e duas mulheres -  a primeira em uma forca e a outra com um braço de mentira feito com um cano de pvc e uma mão de plástico -, que já de imediato se dissolve numa desconstrução do estabelecido. Do que você precisa? – é a pergunta que norteia o espetáculo. Porque parece que cada um de nós precisa mesmo de alguma coisa a que se agarrar. Quanto a elas, ali, uma precisa da boneca, outra, do braço. E assim, vai se estabelecendo a relação de dominador/dominante, curandeiro/curado, prós/contras. E o elemento humano se faz mais presente quando se utilizam da loucura uma da outra para dominar. No momento de tensão de uma das personagens, que tem medo de ratos, a iluminação - concepção de Marina Arthuzzi e Carlos Willian - se faz marcante com a projeção de uma sombra na parede, grande e assustadora, através do corpo da própria atriz.

PRECISA-SE DE ARTISTAS
Na terceira cena da noite, Raul Starling traz a seguinte pergunta: o que é preciso para ser artista? E, afinal, alguém sabe? Você se considera um artista? Como se definir como tal? E qual sua especialidade? Você a conhece bem? Sabe vender seu peixe? Com mais perguntas que respostas, Precisa-se de artistas nos faz refletir sobre nossas descobertas, tomadas de decisões, escolhas, perseverança nas mesmas, confiança em si mesmo. Com melhor desdobramento na dramaturgia, poderia, inclusive, atingir outra camada, menos específica. Ali, se fez entender. Provoca-nos, ao final, com a possibilidade de termos nos tornado marionetes do destino, trazendo à cena uma boneca – manuseada pela ventríloqua – que, ironicamente, é a única que se joga, dá seu salto, acredita.

QUINZE CENTÍMETROS
Quinze Centímetros fecha a noite, numa explosão de sentidos atormentados por um realismo fantástico, trazendo, de imediato, referências a uma época anterior com o figurino quase anos 50 da atriz, ao melodrama, aos filmes de Almodóvar e ao Lecuona com sua música e com uma dança marcante que já consegue provocar a plateia sobre o que está por vir. Tudo isso, no entanto, trabalha em uníssono. A coreografia e movimentação cênica concebidas por  Rodrigo Antero é um elemento de suma importância no desenrolar da cena, que trata da solução, uma tanto quanto extravagante, encontrada pela mulher para se vingar do marido, a quem está cansada de obedecer. Aponta, ainda, as angústias do universo feminino contemporâneo - ser esposa, ser bonita, ser virtuosa - em contraponto às referências. O grupo consegue resolver com talento e criatividade, através da linguagem cinematográfica que permeia a cena, o que nunca poderia deixar de ser dito – a projeção dos créditos no início da cena, sustentada por uma dança melodramática, provoca a imersão imediata naquela proposta do surreal, além da brincadeira com a diminuição da personagem, ponto crucial na cena. Percebe-se que há muito mais a ser contado. Talvez um bom motivo para se transformar em um espetáculo.

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